Rápidas Observações Sobre Vocabulários Generificados

Tendo iniciado minha transição apenas após o início da vida adulta, uma das coisas que me surpreendeu na minha experiência de viver no mundo como mulher tem a ver com a linguagem.

Mesmo tendo passado a vida inteira interagindo quase exclusivamente com mulheres, inclusive na minha vida familiar, passar a viver como uma delas abriu meus olhos para todo um novo mundo linguístico único, generificado e bastante amplo. O que me assusta, entretanto, é que tipo de espaço linguístico é esse compartilhado por mulheres: o da beleza.

Tipos de cabelo, de perna, de braço, de barriga, de gordura, de pele, de mancha, de pinta, de cheiro, de textura, de cor. Uma infinitude semântica expressiva, usada toda com apenas um propósito: policiamento de corpos. Milhares de formas de descrever a experiência sensorial de corpos e todas elas usadas no esqueleto frasal “como lidar com”, “como evitar”, “como arrumar”. Como, afinal, não ser como você é.

Minha socialização certamente não foi igual a da maioria das pessoas e foi bastante fora da média (e isso vai muito além de gênero). Não sei até que ponto esse meu susto pode ser atribuído a socialização masculina ou a outro aspecto aberrante da minha formação ou a condições psicológicas antecedentes ou mesmo a mera coincidência. Mas a forma como esse tipo de vocabulário nunca me foi ensinado ou cobrado socialmente antes de assumir uma posição social de mulher me parece terrivelmente suspeito.

Como sempre, os comentários estão abertos para pessoas que queiram dividir suas experiências (sejam elas masculinas, femininas ou não-binárias, sejam elas cis ou trans). Tenho uma curiosidade especial em saber se outras pessoas trans tiveram experiências parecidas no campo da linguagem e se minha interpretação disso como relacionado a gênero está ou não correta.